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[Coluna NES] Sincretizar ou não? Eis a questão.

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Fiquei muito honrada ao ter sido convidada para ser colunista do NES. Carioca da “gema”, morando aqui em Salvador há 7 anos, nunca havia pensado em escrever fora das linhas das minhas redes sociais. Mas cá estou! Amo o chão baiano, amo as pessoas, amo o clima. Nem nos meus piores pensamentos penso em voltar a morar no RJ. Aqui a violência é grande? Certo. Mas multiplique isso aí por 100 para ter uma ideia de como é lá. Salvador é um paraíso para viver, mesmo que tenhamos que usar a palavra “ainda”. O futuro… Deixa ele lá na frente! Vamos viver o HOJE.

Ontem foi… 8 de Dezembro. Dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da Bahia. Dia de Oxum, Orixá que reina sobre as águas doces, senhora da fertilidade, da beleza. É muito empoderamento feminino, minha gente! Pense no que meu pobre coração está sentindo, estreando nossa coluna exatamente no dia de hoje?!

 Logo cedo, fui até a Basílica. Não agendei para entrar, mas tinha visto pela TV que a imagem ficaria na porta. E lá estava ela! Linda, cheia de flores, reinando soberana na entrada. Todas as pessoas que se aproximavam da escada estavam de máscara e mantendo certo distanciamento. Isso acalmou meu espírito medroso do “coronga” vírus. Nunca fui muito favorável sobre “sincretismo religioso”, sempre vi com tristeza, como uma “necessidade” do povo escravizado conseguir professar sua fé e não como “união” de religiões. Quando frequentava a Umbanda no RJ, só via  imagens “embranquecidas” dos orixás e isso me incomodava. Por que precisavam colocar a imagem de Iemanjá branca, de mãos abertas, como se fosse Nossa Senhora? Iemanjá é Iemanjá e Nossa Senhora é Nossa Senhora! Por que reverenciavam a imagem de São Jorge como Ogum? (Ogum aqui na Bahia é sincretizado com Santo Antônio, né? No Rio é com São Jorge, rs). Fato era que nunca vi o sincretismo com bons olhos. E sobre ser estudante de História, é aquilo, né? Quanto mais você aprofunda, mais você questiona.

Uma cena, daquelas que são tão comuns aqui na Bahia, ficou na minha mente:  uma seguidora de religião afro-brasileira ajoelhada na frente de Nossa Senhora. Mãe Renata de Oxum, emocionada, lágrimas no rosto. Esperando ela voltar, estava Pai Raimundo de Xangô, com seu vidro de alfazema. Deu banho nela, em mim e ainda deu um pouco para uma senhora que esticou a mão. Para ele, “nesse período tão difícil, as pessoas conseguiram professar sua fé e se adaptar ao novo momento. O fato da imagem ter sido colocada na porta da igreja foi a solução viável. Mesmo com os portões fechados, sem o povo se aproximar do andor e sem tocar nas flores, quem é da Umbanda ou do Candomblé,  conseguiu rezar, olhar a imagem de Nossa Senhora da Conceição e transformar em seu Orixá. É a fé que nos sustenta. A gente sai daqui abastecido e com um remédio para suportar essa fase. Olhar Nossa Senhora da Conceição com nossa mente afrodescendente e enxergar Oxum é fazer dentro de cada um de nós uma armadura e uma proteção contra a pandemia”.

Quem sou eu na fila do acarajé para discordar dele, né? A única coisa que consegui responder foi: “Já tô até achando o sincretismo fofo”.

Fayga Cabral
Fayga Cabral
Carioca, torcedora do Flamengo e do Bahia, vivendo em Salvador desde 2013. Analista de Redes em Mídias Sociais, Bacharela em Relações Internacionais. Depois que quarentou, resolveu ser estudante de História e de Letras. Ninguém é obrigado a ter um só caminho, uma só direção, uma só opinião.

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