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Rio de Janeiro: saiba como a Covid-19 mudou a rotina no complexo de 16 favelas e 139 mil moradores

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Danilo Thomaz / Época

Desde a última segunda-feira, os moradores do Complexo da Maré – conjunto de 16 favelas com mais de 139 mil habitantes – deixaram um velho hábito: sentar na porta de casa, no fim de tarde, para conversar com os vizinhos. O motivo: o “vírus de rico”, como foi apelidado o Coronavírus, causador da Covid-19. A doença deve atingir até 596 moradores do Rio de Janeiro nos próximos dias.

Embora ainda não haja registros de infecção na Maré – até às 17h do dia 19 de março – a pandemia já altera a rotina local, onde 87,7% dos moradores dependem da saúde pública e têm à disposição uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), três Centros Municipais de Saúde e quatro Clínicas da Família, que recentemente passaram a estar sob tutela da Rio Saúde.


A empresa municipal substituiu a Viva Rio, organização social responsável pela gestão de parte das instituições de saúde do município. Com o fim do contrato entre a OS e a prefeitura, em janeiro, cinco mil funcionários foram demitidos. O que, segundo moradores, precarizou o atendimento.

A assistente social Joelma Sousa, 37 anos, da Redes da Maré, moradora da Nova Holanda (uma das favelas do Complexo), disse que a maioria das clínicas têm prestado atendimento com dois médicos. “Teve uma redução muito grande diante das demissões que aconteceram com as OSs. Antes nós tínhamos de sete a oito médicos.”


A prefeitura, por sua vez, informou que há “42 equipes de Saúde da Família, distribuídas em quatro clínicas da família e três centros municipais de saúde.” O número de equipe varia de 4 a 8, segundo a prefeitura, conforme a unidade.

Segundo Joelma, a notícia da pandemia pegou os moradores de surpresa. Houve aglomeração em frente a uma das clínicas da família e boatos acerca de casos de infecção de dois moradores – o que não se confirmou. As dúvidas foram, em parte, sanadas. “A orientação que a gente tem enquanto morador é para evitar a aglomeração nas clínicas. No caso de sintomas é para manter-se em casa, em quarentena.”


O que é solução para muitos naquele contexto fica complicado. “Como a gente vai cuidar da saúde em quarentena? A gente mora em casas que têm pouca circulação de ar. Tem gente que mora em casa que sequer têm janelas.”

Apesar dos riscos para a saúde, a preocupação maior, neste primeiro momento, tem sido com relação ao impacto econômico da pandemia na vida dos moradores. Ela conta que os bares estão mais vazios – aquela “esticadinha” no boteco no final de tarde diminuiu – e rodas de pagode e bailes funk foram cancelados, afetando, assim, também os vendedores ambulantes. “Todo nosso comércio está bem esvaziado.”

A comerciante Maria do Amparo bezerra Lopes, 54 anos, dona de um bar/restaurante no Morro do Timbau disse que seu faturamento caiu mais de 50% nos últimos dias. Antes, vendia cerca de 50 refeições na hora do almoço.

No começo da semana vendeu menos de 30. Hoje, um pouco depois de falar com ÉPOCA, avisou que havia vendido 19 refeições. “As empresas [daqui] estão mandando muita gente embora”, disse. Além disso, conta, “estava com três eventos praticamente certos pra fazer e já não vai ter.”

O bar, nos dias de melhor movimento, funcionava até as 22h. Agora não. “Quando dá 16h já estou tirando praticamente tudo e fico mais um pouco temperando as coisas. Eu que compro, eu que tempero, eu que cozinho.”

Além das despesas pessoais e de seu estabelecimento, tem, ainda, que arcar com os gastos de cartão de crédito e dois empréstimos bancários que fez para investir em seu negócio. “Tenho muita conta para pagar. Esse mês só de empréstimo eu tenho R$ 2 mil. Como ficar em casa e pagar as dívidas?”


Há poucos meses a jornalista comunitária Simone Lauar, 42 anos, deixou seu emprego de cozinheira em uma casa de família e passou a vender quentinhas vegetarianas e veganas. A maior parte de seus clientes estava na Zona Sul, em bairros como a Urca e Copacabana, que as recebiam – pelo preço de R$ 10 (com adicional de R$ 8 a depender da distância e do número de quentinhas) – na porta do trabalho. “Com este problema [do Coronavírus], eu não estou indo mais. As pessoas foram dispensadas e não sabem quando vão voltar [ao trabalho]”, disse. “Piorou muito os negócios. Eu tenho medo de sair, as pessoas têm medo de sair também.”

Apesar de ser solteira e não ter filhos, tem sustentado sozinha a família, composta por uma irmã e uma sobrinha de 29 anos – que estão desempregadas – e um irmão de sete anos. Investiu o “pouco de dinheiro guardado” nas quentinhas. Por não ter carro nem ter com quem dividir o trabalho e os custos, fica também limitada quanto às entregas. “Na Barra eu não peguei [clientes] porque é muito longe. Poderia azedar”, disse. “A mão de obra é só minha, não tenho ajuda, não tenho ninguém. Não tenho como ir para a rua, não tenho carro. Eu preciso de ajuda de mão de obra e ajuda financeira também.”

Com a Maré fechando as portas – como os demais bairros da cidade – e sem condições de investir para ampliar o negócio, tem contado com o apoio de pessoas próximas. “Algumas meninas estão me pedindo quentinhas até para me ajudar”, disse. Mas o cenário é preocupante. “Aqui parou tudo realmente.”

Redação NES
Redação NES
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