[CARECA] “Quero sempre conquistar alguma coisa. Ajudar as pessoas, abrir o caminho de quem precisa”.

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Ademário Sacramento Filho ou simplesmente “Careca”, como é conhecido por toda comunidade. Nascido e criado no Nordeste de Amaralina, mais precisamente na rua do Balneário. É comum vê-lo sentado, à vontade, embaixo da famosa amendoeira, situada na região, pensando na vida e sempre observando tudo à sua volta.

“Careca” é filho do metalúrgico, Ademário Sacramento, e da costureira, Maria Cleuza Gonçalves. A infância foi tranquila, como de qualquer garoto da sua idade. No endereço onde reside até hoje, moravam ele, a mãe, avó e mais duas irmãs. “Sempre tivemos uma vida estabilizada. Pobre, mas sempre direitinho. Nunca faltou nada”. Estudou no Cupertino de Lacerda, no Raimundo de Brito e no Carlos Santana. E foi durante a sua passagem no Carlos Santana, durante um dia de aula, que o garoto Ademário vivenciou a sua primeira experiência espiritual. Eram os chamados “primeiros sinais”.

Sua avó, Dona Maria Paulina, trabalhava como lavadeira para o finado Dófono de Ogum, antigo babalorixá da região. Sua avó, inclusive, passou pelo ritual de “cura” (ritual de iniciação nos terreiros da nação Ketu), na casa do referido sacerdote. Devido à proximidade, sua mãe, Maria Cleuza, foi batizada por Dófono. Em forma de demonstração gratidão e afeto pela família, Dófono doou para sua avó, o terreno onde era sua camarinha, na rua Balneário, número 40, local onde Careca nasceu, cresceu e vive até hoje. As ligações de Ademário Filho com o candomblé não param por aí: Sua avó paterna, Dona Adélia, também era do candomblé e tinha um centro de Caboclo no Vale das Pedrinhas, nas imediações da Bananeira. Dona… frequentava a casa de Pai Moises na Chapada. Seu pai, Ademário, era Ogãn em um terreiro no bairro de Itinga. Como nada o que acontece no candomblé é por caso, na vida do jovem Careca não seria diferente.

“Quando fiz nove anos de idade comecei a manifestar o caboclo. Eu estudava no Carlos Santana e estava lá quando o caboclo começou a me pegar. Estava brincando quando de repente, não era mais eu”, conta Careca. Na ocasião o inexperiente médium contou com a ajuda de uma colega de nome Beth para “controlar” a entidade. A jovem tinha certa experiência, pois era filha de uma mãe de santo do bairro. Aos dez anos de idade, o garoto começou a trabalhar no axé. Sobre os seus primeiros passos na religião, Careca relata: “Aprendi a jogar búzio com Dona Lelinha. Seu esposo, Sinhozinho era um ogã confirmado em Cachoeira e que virou pai de santo de Dona Caboquinha. Ele tinha um centro onde trabalhava com a esposa. Tinha uma limpeza ela me chamava para ajudar. Mãe Celina de Longum Edé também me ensinou muita coisa. Tinha uma relação de neto e avó com ela. Foi uma boa professora para mim. Daí fui me desenvolvendo…”.  A intercessão de Pai João Luis de Ogum em sua jornada, também é ressaltada por Ademário, como decisiva em sua vida espiritual: “Somente comecei a me cuidar quando conheci Pai João Luis. Me ensinou muita coisa. Me doutrinou dentro do axé. Conheci João Luis quando eu ainda era criança. Ele frequentava o centro de caboclo de minha avó lá na Bananeira. Além disso, também era cliente dela. Minha avó montava uma barraca em festas de largo, barraca Sutão das Matas, e João Luis sempre aparecia. Ele era o mestre dos mestres. Gostava da sabedoria dele. Muito humilde, amigo… Mas na hora do axé ele virava outra pessoa. Muito sério e rígido nos preceitos. Muito respeitador ao orixá”.

Aos 14 anos, Careca foi iniciado no candomblé. Fez o santo num terreiro em Cachoeira. Três anos após a “feitura” começou a dar sessões de caboclo.  “Na minha vida meu caboclo é tudo. Foi ele quem me tirou de muitas coisas… Quando Boiadeiro começou a vir e se equilibrar eu esqueci a vida que levava. Com as sessões comecei a ganhar o necessário para minha subsistência. Eu trabalhei sete anos dando sessão. Eram às quartas-feiras, sendo que uma semana era de Boiadeiro e na outra Capianga. Atendia pessoas uma vez no mês de caridade. Parei porque estava me desgastando muito. Tinham pessoas que chegavam aqui 22h, 23h…. Eu era ainda um rapazinho…. Me senti muito preso. Não tinha mais vida. Talvez por isso eu não quis tomar deká. Quando você toma deká você é obrigado a abrir terreiro e eu não quis isso para mim. Não quero mesmo. Ainda hoje saio, viajo, vou ajudar pessoas e amigos de axé em obrigações fora. Vivo disso. Sou de Ogum com Oxum. Quero sempre conquistar alguma coisa. Ajudar as pessoas, abrir o caminho de quem precisa”.

CANDOMBLÉS DO NORDESTE – Careca, desde à época de garoto, era um frequentador assíduo dos terreiros do bairro. Seja uma festa ou obrigação, ele sempre estava dentro. Ele lembra do tempo em que o Nordeste de Amaralina ainda era mato e farto das chamadas folhas sagradas: “Tinha capianga, murici, paupombo, quarana, akokó, oripépe… Hoje não tem mais… Pegava muita folha no “Três Cú”, ali no Areal, e na chamada “Mata de Joventino”, no Parque da Cidade. Tinha uma estrada chamada de “estrada da hora”, que dava lá no parque. O pessoal arriava muito por ali”.  Ainda hoje, embora não com a frequência de antigamente, o ainda jovem zelador espiritual, costuma participar das atividades nos ilês da região, principalmente nas casas de Mãe Rosinha, Mãe Selma e Pai Léo. Sobre os candomblés de antigamente, ele lembra saudoso: “Gostava das festas de João Luis. Frequentava todas as festas dele. A de Baraketu era a mais popular. Também tinham o de Dona Caboquinha, o de Dona Isabel, aqui atrás do posto de saúde, Dona Marluce, ali na Olaria, e Dona Carminha do Capim, filha de santo do finado Dofóno. Antigamente existia mais pureza. Eu via amizade, respeito, mulheres velhas dançando candomblé de sete horas da noite até 5 horas da manhã, descalças. Hoje é tudo muito diferente. Por isso que não quero deká. Se eu botar as minhas regras do jeito que eu vi, ninguém vai ficar em minha casa”. Patakori Ogun! Ogunhê!

 

Tiago Queiroz
Tiago Queiroz
Graduado em Comunicação/Jornalismo, e exerce as funções de Editor e Coordenador de Jornalismo do Portal NORDESTeuSOU

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