Conheça a Mãe Juraci de Logum Edé

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Encontrei Mãe Juraci no final de tarde de uma quinta-feira, 22 de março. O encontro aconteceu em sua casa, no terreiro Ilê Axé Ijexá Logun Edé Silemín. Ao chegar fui recepcionado por sua filha, que me solicitou que aguardasse pois sua mãe estava terminando de se arrumar. Passados pouco mais de 5 minutos surge impecavelmente vestida a ialorixá: axó verde e azul claro com detalhes bordados em branco, guias penduradas no pescoço e pano da costa ao ombro. A doçura e delicadeza demonstrados à primeira vista contrastavam com uma mulher de atitudes firmes e personalidade forte, às vezes dura, como podemos testemunhar ao longo da nossa conversa.

Juraci Ferreira de Jesus, Mãe Juraci Logun Edé ou dona “Uá” (como é conhecida entre os mais íntimos) foi nascida e criada no bairro de Cosme de Farias. Filha de pedreiro e mãe lavadeira. A infância foi curta. Filha mais velha entre oito, Juraci teve que amadurecer precocemente e ir à luta para ajudar os pais no sustento dos sete irmãos. “A situação era difícil. Minha mãe lavava muita roupa de ganho, então a minha vida era na fonte carregando água e enxaguando roupa. Conclui somente o primário”, relembra. Aos 15 anos, ainda adolescente, começou a trabalhar como empregada doméstica “em casa de família”. Antes de casar, o que ocorreu aos 24 anos, ela trabalhou numa lavanderia e numa fábrica de calçados.

Após seis meses de casada, ela e o marido, Pedro, compraram um terreno na Chapada de Rio Vermelho, na rua do Boa Gente. O ano era 1970. “Devagarzinho fizemos a casa. Isso em 1974. Não tinha energia, não tinha água. Andávamos por um matagal para sair no Manoel Devoto. Era mato puro. Meus filhos foram todos criados na Chapada”, conta Juraci. Pequenos “embaraços” (como ela mesmo costuma dizer) que aconteciam em sua vida já prenunciavam a cobrança do santo. Eram os chamados “primeiros sinais”.

A situação era difícil. Seu marido não conseguia arrumar emprego. Pedreiro, vivia de pequenos biscates. Após a morte de sua mãe, a coisa piorou para Juraci: a mesma teve que assumir a responsabilidade pelos irmãos mais novos. Como se já não bastasse Juraci caiu doente. Um frio e uma febre persistente passaram a acompanha-la frequentemente. “Comecei a ficar doente, assim do nada. Ia para o médico e diziam que eu não tinha nada. Fazia exames e não dava nada. Meu marido já frequentava um terreiro e disseram a ele que meu problema era espiritual. Era castigo do santo. Nunca dei ousadia de ir em candomblé. Eu não gostava de candomblé, detestava”, relata a ialorixá. Foi então que um de suas irmãs, que morava com ela, resolveu procurar ajuda com seu compadre Liliu, que residia na rua do Eco, e fazia sessões com o caboclo Boiadeiro. Chegando lá o recado dado pela entidade é que todo o problema de Juraci era de cunho espiritual, que a mesma tinha que cuidar do seu orixá, senão ia morrer. “Quando Pedro chegou em casa e começou a falar eu me danei… Eu disse que me deixasse morrer, mas que não iria me meter nesse negócio. Essa patifaria não era minha.  Pedro então apelou para as crianças… Disse que tínhamos três crianças pequenas e eu não poderia morrer…Que tinha que me cuidar… Eu tinha 29 anos. Então, resolvi ir em um terreiro lá em Cosme de Farias”, recorda.

Como o Boiadeiro orientou que Juraci fosse à algum terreiro onde pudesse ser iniciada efetivamente no santo, seu marido a levou ao terreiro de pai Antônio dos Santos Maris, lá em Cosme de Farias.  Ainda resistente, assim ela foi. Sobre a sua chegada na casa de axé, Mãe Jura mesmo conta: “Chegando lá botaram uma água quente e me deram um banho. Conversaram comigo e me levaram para o quarto do santo. Me deram uma bacia com milho branco e me orientaram que botasse em minha cabeça. Obedeci. Quando acabei de arriar, comecei a me bater parecendo uma maluca. Comecei a gritar desesperada. Daí me deram um banho de abô e voltei para casa. Fui ficando doente de novo. Então resolvi voltar lá para raspar para o santo. Fui vencida pelo cansaço”.

Juraci foi iniciada no candomblé no dia 5 de setembro de 1975. A “feitura” do santo, de acordo com ela, provocou profundas mudanças em sua vida, todas ela positivas. Seu marido arrumou emprego fixo, as finanças melhoraram, e o melhor de tudo para ela: “Meus filhos cresceram todos direitos”.

CABOCLO SUTÃO DAS MATAS – “Naquela aldeia tem um caboclo! / É caçador é grande guerreiro, das suas /  Matas ele é um grande rei /  Ele é sultão é meu bom companheiro” – (Gabriel Angelo)

Um ano após fazer o santo, durante uma sessão na casa do seu pai-de-santo, a então iaô pela primeira vez foi montada pelo Caboclo Sutão das Matas.  “O caboclo apareceu durante uma sessão que meu pai fez. Estava sentada na esteira, só olhando. Quando meu pai mandou chamar os caboclos… Cai aqui, ali, me ralei toda”, explica. Depois disso, Juraci passou a promover sessões de caboclo em sua casa. À essa altura já residia no seu atual endereço, na rua Antonino Casais, na Santa Cruz. A ialorixá relembra: “O caboclo botava consulta de graça. Eu chegava do trabalho, trabalhava como copeira no Banco do Nordeste, morta de cansada e encontrava a casa cheia de gente para o caboclo atender”.

A IALORIXÁ – O tempo passou. A vida seguiu seu curso. Juraci cumpria as obrigações com seu santo, frequentava as festas no terreiro de pai Antônio e fazia as consultas incorporando o caboclo. Apesar de conhecida perante o povo de santo do Nordeste de Amaralina, pouco ou quase nunca se aventurava em festas e cerimônias em outros terreiros do bairro. Ela justifica: “Tinha amizade com muita gente do candomblé aqui do Nordeste, mas não costumava frequentar. Com Mãe Alice, com dona Carminha, lá no Capim, com Helena… Eu não ia  porque achava chato, mal batia alguma coisa e eu virava. Iaô tem que virar né? Iaô não se governa. Mas conhecia todo mundo”. Quando recebeu o cargo (posto concedido pelo babalorixá), após sua obrigação de sete anos de “feitura” do santo, cumprida somente vinte anos após a sua iniciação, Pai Antônio alertou à filha sobre os seus próximos passos dentro da religião: “Nunca quis ser mãe de santo, apesar de meu pai de santo sempre me alertar. Relutei muito. Meu pai então disse: Você não quer, mas o orixá quer”. E a vontade de Logun Edé foi cumprida. No dia 31 de agosto de 2010 o terreiro de Mãe Juraci foi aberto recebendo o nome de Ilê Axé Ijexá Ogum Edé.

NORDESTE DE AMARALINA – A iyá fica séria quando o assunto são o respeito às tradições e à hierarquia dentro do candomblé, sobretudo nos terreiros do Nordeste de Amaralina e região. Em sua opinião, ambos são muito pouco levadas em consideração nos dias atuais: “Antigamente era mais organizado. Tinha mais disciplina. Eu posso dizer que tive educação de axé. Hoje, o que tem de gente dizendo que é pai e mãe de santo…Fazendo e acontecendo…”. Uma tradição que não abre mão dentro do seu Ilê? “Não gosto que ninguém cante antes de mim no meu candomblé. Cante depois, mas para começar eu. Não me meto onde não sou chamado. Foi assim que aprendi. Pode ter alguém que não goste de mim, mas sou isso aqui”. De acordo com Juraci o crescimento e a urbanização da região, que outrora era cercado de matos,  trouxe um pequeno inconveniente ao povo de santo: “Antigamente arriávamos os ebós pelos matos. No parque da cidade, na praia, na baixada, onde hoje é o Parque Julio Cesar…Hoje em dia, não tem nem mais onde arriar. Tem que se virar para achar onde botar”.

PRECONCEITO – Juraci não foi poupada do ódio e preconceito, frutos da intolerância às religiões de matriz africana. Já sofri preconceito. Agora até que menos. Quando eu me mudei para cá, vim toda enfatiotada de iaô, o pessoal aí começou a dizer: “Aí vai morar uma mãe de santo…”.

Meus vizinhos são cristãos, mas são meus amigos. Jogo minha farofa, eles passam não dizem nada. Falam: “Oi dona Ua”. Às vezes tem umas que quando passam, pulam e vão para o lado da rua (risos)”.

CAMINHADA – Nos últimos anos, Dona Uá não tem participado como gostaria da caminha do povo de santo do Nordeste de Amaralina. A dificuldade de locomoção, decorrente em grande parte do problema de visão, impedem a ialorixá de acompanhar o cortejo, mas a importância do evento é ressaltado por ela: “Nunca participei, mas acho muito importante. Nós somos muito discriminados, principalmente pelos cristãos. Esse pessoal tem uma cisma com o candomblé e eu não sei porque isso. É tudo a mesma coisa! É bom ter uma caminhada de santo para o povo ver que candomblé não é aquilo que se diz. Tem que saber o que tem no candombe. No candomblé se faz caridade, se faz reza…”. E o qual o significado de  Logun Edé em sua vida? Mãe Juraci responde: “É um príncipe. Uma criança.. Uma criança resolvida. Aí de mim se não fosse esse príncipe. Tudo que peço a ele eu alcanço. Eu sou de atitude. Eu quero fazer, eu vou fazer. O que mais tenho de Logun Edé é isso”. Logun ô akofá, Mãe Juraci!

Tiago Queiroz
Tiago Queiroz
Graduado em Comunicação/Jornalismo, e exerce as funções de Editor e Coordenador de Jornalismo do Portal NORDESTeuSOU

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