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Ong Cipó divulga carta aberta sobre as violências nas comunidades populares de Salvador

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Confira a carta na integra:

Salvador, 25 de setembro de 2019

Nós da CIPÓ – Comunicação Interativa, uma organização que completou, em 2019, 20 anos de atuação e tem como missão criar oportunidades para o pleno desenvolvimento e a participação social e política de crianças, adolescentes e jovens, por meio da comunicação, cultura e educação, viemos, através dessa carta aberta, nos mostrar consternados com a situação de agravamento da violência policial nos territórios de atuação da CIPÓ, bem como em comunidades populares de todo o País.

Estamos falando do aparato de segurança pública (os agentes da lei) que, amparados e investidos de poder, deveriam garantir o estado de direito e não operar contra a lei, através de uma prática difundida sistematicamente de genocídio e extermínio da Juventude Negra. A onda de medo e de homicídios que violentam prioritariamente jovens negros e negras das periferias tem feito diversas vítimas que, ao contrário do que se estabelece em parte do pensamento de uma parcela da população, são potenciais para o desenvolvimento criativo e sustentável das próprias comunidades e do nosso País como um todo.

O contexto de violência vivenciado pelos jovens negros e negras das periferias reflete os novos dados do Anuário de Segurança Pública de 2018, publicado no último dia 10 de setembro, que aponta o Brasil como um país mais violento do que países em estado de guerra e que mata mais quando intervém com o braço armado, ou seja, com o seu aparato de segurança (as polícias) (1).

As mortes decorrentes de intervenção policial aumentaram 20%. Rio de Janeiro, Bahia e Pará se destacam nos Crimes Violentos Letais Intencionais (Homicídio, Latrocínio e Lesão Corporal Seguida de Morte) praticados, sobretudo, nas incursões policiais.  A realidade mostra que a cada 12 minutos uma morte violenta é cometida no País. No total, de 118 por dia, sendo que desse número 71,5% são de negros, de jovens e moradores de periferias (2). De acordo com esta pesquisa, a desigualdade é explicitada pela diferença entre os números de homicídios entre a população branca e negra e pela possibilidade 3,7 vezes maior de um adolescente negro ser vítima de homicídio do que a de um branco (3).

Segundo os dados do Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 35.783 jovens foram assassinados no Brasil somente no ano de 2017. Esse número representa uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100 mil jovens no País, índice recorde nos últimos dez anos. E, mesmo com dados tão críticos, esses ainda estão longe de refletir a realidade que envolve a morte dos/as jovens, em sua maioria, negros e do sexo masculino. 

Dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência mostram ainda que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio na Bahia é 3,6 vezes maior que o de um jovem branco. E, submetidos a uma situação de grande vulnerabilidade, jovens negros de periferia têm o direito básico de ir e vir cerceado, sendo vítimas recorrentes do racismo e da atuação policial violenta e arbitrária.

Outro dado relevante do Atlas da Violência 2019 mostra que a Bahia é um dos 15 estados brasileiros que apresentam taxas de homicídio de jovens acima da média nacional. Enquanto o Brasil apresenta o índice de 69,9 assassinatos a cada 100 mil jovens, a Bahia registra a taxa de 119,8 homicídios, considerando o mesmo quadro amostral.

Diante dos dados apresentados outro aspecto revela como a política de segurança pública no Brasil tem caracterizado a sua população carcerária, sendo esta, em 2016, num total de 726,7 mil, com mais da metade formado por jovens de 18 a 29 anos e 64% do total eram negros, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

Nossa atuação em territórios de Salvador, todos com índices baixos de qualidade de vida, tem o intuito de, antes de tudo, promover para jovens pertencentes dessas comunidades um recontar da sua própria história, mostrando a importância de salientar a humanidade de cada um, aumentar a autoestima a partir da valorização de quem se é e de onde vem, além de favorecer a construção de um projeto de vida que rompa o ciclo vicioso da pobreza e da desigualdade social e racial.

Partindo dessa crença, temos desenvolvido nosso trabalho diariamente com adolescentes e jovens em territórios da cidade, em especial no Nordeste de Amaralina, Fazenda Coutos, Plataforma e Beiru. Porém, a maior parte das queixas está relacionada à investida do aparato policial do estado que, com suas operações, fazem destas comunidades “praças abertas de guerra”, onde ninguém está a salvo e já vitimou milhares de pessoas, inclusive algumas que figuravam inocentes apenas usando o direito de ir e vir e da convivência comunitária.

 Só em 2018, a CIPÓ registrou os seguintes números:

• 300 adolescentes e jovens participando das formações;

• 50 educadoras e educadores e agentes do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes e da rede de atenção e cuidado à juventude articulados;

• 9 territórios com atuação continuada em Salvador e RMS (Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas, Chapada do Rio Vermelho, Lobato, Fazenda Coutos, Plataforma, Beiru/Tancredo Neves, Camaçari, Dias D’ávila);

• 5 redes/articulações com participação ativa (Rede de Monitoramento Presidente Amigo da Criança/ABRINQ, Rede Cardume/ABONG, Comitê de enfrentamento ao homicídio de adolescentes de Salvador/UNICEF, CCDC – Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania/UFBA, Plataforma Bahia do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil);

• Articulação com atores sociais estratégicos das comunidades e representantes de órgãos do sistema de garantia dos direitos de crianças e adolescentes e da rede de atenção e cuidado local;

• 1 vaga de conselheiro em Conselho de Direitos (CONFOCO – Conselho de Fomento e Colaboração);

• 2.500 comunicadoras e comunicadores mobilizados via envio de sugestão de pautas.

Em 2019, alguns dos números acima aumentaram muito, como o de adolescentes e jovens em formação, que até agora já somam mais de 500 em diversos projetos e nos diferentes territórios. Ao mesmo tempo em que mais adolescentes e jovens participam das nossas ações e conseguimos dinamizar ainda mais a comunidade, observamos um agravamento no processo que gera insegurança para os moradores locais.

Nossa atuação se baseia na prática da (re)construção de narrativas feitas pelos próprios jovens para contar histórias de vida geralmente invisibilizadas, o que gera subalternização e com isso a minimização da condição de cidadania desses jovens. Queremos jovens negros vivos simbólica e fisicamente e, mais do que isso, produzindo comunicação, arte e cultura usando a efervescente criatividade e inteligência geradas no seio dessas comunidades.

Por isso, essa carta tem um interesse de ser mais um instrumento de reflexão, de sensibilização e de posicionamento político institucional de uma organização que acredita na potência da juventude negra e na força da cultura do povo das comunidades populares.

Viva a juventude negra!

Viva as diversas narrativas!

Viva os territórios populares!

Atenciosamente,

Equipe CIPÓ – Comunicação Interativa

Redação NES
Redação NES
NORDESTeuSOU.com.br, o Portal do Nordeste de Amaralina que tem o Objetivo de desfazer o mito de que a comunidade do Nordeste de Amaralina é dominada pelo crime, divulgando ações de esporte, lazer e entretenimento dentro da comunidade bem como notícias externas que direta ou indiretamente.

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