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Conheça o ator baiano que catou papelão, morou no Pela Porco e agora está na Globo

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Quem olha para o semblante tranquilo do ator baiano Jean Luis Amorim, 23 anos, não imagina a metade do que enfrentou na vida. Do “Jean maloqueiro ao Jean ator”, como o próprio define, perdeu amigos para o tráfico de drogas, catou papelão, enfrentou a violência nas ruas do Pela Porco, periferia onde cresceu em Salvador, foi expulso da escola e ouviu muita gente dizer que não passaria dos 17 anos, por conta do seu comportamento agressivo.

Acontece que a arte entrou em sua vida e tudo mudou. Depois de ser chamado para interpretar o marcante Pedro Bala, no filme Capitães da Areia, de Cecília Amado, sem nunca antes ter atuado, Jean tomou gosto pela profissão. A partir da oportunidade que surgiu há mais de dez anos, atuou em Malhação (2015), no filme Na Quebrada (2014) e na série Carcereiros, que estreia quinta-feira (26) na Globo/ TV Bahia, com Rodrigo Lombardi no papel principal.

Premiada em Cannes, no Grande Prêmio do Júri do Mip Drama, e inspirada na obra de Drauzio Varella, a série retrata a realidade do sistema prisional brasileiro. Universo que foi apresentado a Jean bem cedo, mas do ponto de vista dos amigos que contavam detalhes da experiência na prisão. “Conheci um menino que cometeu o primeiro homicídio com 10 anos. Depois encontrei com ele e o moleque tinha 13 anos com mais homicídio que a própria idade”, lembra Jean.

Ao questionar o garoto sobre o que sentia ao matar alguém, ouviu como resposta: “nos primeiros dias fiquei preocupado, mas depois você acostuma. Ainda mais depois de ir pra cadeia, porque a galera te passa uns ensinamentos. Fico lá de boa, tô ali protegido”. Mesmo com todo o “preparo” para enfrentar a realidade dura, Jean não esconde o tom de preocupação, do outro lado da ligação, enquanto narra a história.

“Pra ele era normal… Esse moleque não chegou nem a completar 18 anos. O sistema faz o cara virar cada vez mais um monstro”, diz em tom de crítica. “Quanto mais cedo você tem um moleque na cadeia, mais cedo ele vai se tornar um bandido pior, porque a cadeia é uma escola do crime”, defende o ator que é declaradamente contra a redução da maioridade penal.

Liderança

A partir da experiência de vida na periferia e no filme Na Quebrada, gravado em um presídio real, Jean foi construindo a base para seu novo personagem. Vinícius é o carcereiro mais novo do grupo de agentes da penitenciária Vila Rosário, onde se passa a série Carcereiros que ganha três episódios inéditos para a versão da TV, além dos 12 já disponíveis no Globo Play.

“Vinícius é esse cara que tem que prestar atenção e, ao mesmo tempo, não demonstrar para os presos que é inexperiente, porque senão vira alvo fácil”, explica. Como, então, colocar 200 presos na cela só com a palavra? “Você tem que conquistar a confiança deles. Pra mim, que vim de periferia, meio que conheço essa galera, sei que você tem que falar o dialeto deles”, responde Jean.

Colega de cena, o ator paulista Rodrigo Lombardi, 41 anos, destaca a força de vontade de Jean, que tem uma liderança natural e “é um menino encantador”. “Ele é um ator dedicado, concentrado, observador, que busca tirar o melhor em cada cena, por isso, ainda vamos ouvir falar muito do seu talento. Embora fosse o mais novo do time dos carcereiros, ele demonstrou ser muito maduro no dia a dia, e isso conquistou todo mundo”, elogia.

Essa liderança, vale ressaltar, foi o que chamou a atenção de Cecília Amado, 42 anos, diretora do filme Capitães da Areia. “Conheci Jean quando ele tinha 11 anos, foi no Projeto Axé, anos antes de começar a busca oficial pelo elenco. Naquele dia, anotei no meu caderno: Jean Luis, 11, gordinho, jeitinho de Pedro Bala. Que jeito era esse? Não sei!”, conta Cecília com bom humor.

Foram 1.200 entrevistas e Jean estava entre os 90 selecionados. “Jean era tímido, a princípio, e no final era querido, uma espécie de líder daqueles 90 meninos e meninas, mesmo sendo um dos mais jovens”, lembra a diretora. “É um orgulho ver o homem que se tornou. Sempre focado e solidário com os seus, com o bairro de onde veio, com sua família e os outros Capitães. Um dos maiores exemplos que tive na vida”, elogia.

Braço direito de Jean no filme, e depois na vida, o ator Roberio Lima, 27 anos, lembra que ficou surpreso quando o conheceu durante as filmagens.

“Ele conseguia chamar a atenção, mesmo sendo um dos mais novos. Era o líder da bagunça, mas ao mesmo tempo um cara família, superprotetor. Tinha liderança desde moleque. Mesmo mais velho, eu pensava: ‘caramba, olha pra esse moleque. Colocava o terror em todo mundo. O líder do bando”, ri Roberio, que deu vida ao Professor de Capitães da Areia.

Resistência

Foi com essa determinação e liderança que Jean passou de “maloqueiro a ator”. Foi enfrentando abordagens policiais na porta da escola, porque achavam que estava com droga na mochila, e enfrentando a fama de brigão, até ser expulso do colégio. Foi catando papelão, vendendo picolé na praia e trabalhando como garçom para ganhar um trocado e ajudar os pais, que criaram sete filhos.

“Muita gente falava que eu não passaria dos 17, porque era muito violento, andava com pessoas envolvidas, e meu pai sempre trabalhava, minha mãe estudava. Nas periferias do Brasil, as crianças acabam se envolvendo com o tráfico por falta de instrução. Quem vai dizer o que elas devem fazer?”, provoca Jean.

Foi se dedicando às aulas de música no Projeto Axé e agarrando seu primeiro papel no cinema que mudou de vida. Para viver de arte, concluiu o segundo grau com supletivo e se debruçou em cursos de atuação. A mesma arte fez com que morasse no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde vive hoje, e conhecesse sua namorada, a também atriz Jennifer Nascimento, 24, durante as gravações de Malhação.

“Nasci num lugar muito violento: eu tinha 4 anos quando vi a primeira pessoa morrer na minha frente. A arte me salvou, porque até os 13 anos eu não tinha expectativa de vida. Além disso, foi ela  que me fez não me envolver com a criminalidade”, garante o ator que também destaca o efeito da atuação na sua autoestima. “A gente quer ser visto de alguma forma, somos marginalizados o tempo inteiro”, desabafa.

Depois que passou a viver da arte, Jean conta que começou a expandir a mente e querer buscar viver de outra forma. Hoje, conta orgulhoso, “sirvo de referência pra muitos da minha comunidade”. Então completa: “Sou resistente: consegui transformar uma oportunidade em vida”.

Redação NES
Redação NES
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